O peixe nada
e eu sigo com um fio de esperança mas nada,
peças nítidas emergem nas bolhas,
peças da minha cabeça quebrada.
Lembra aquela cerveja, aquela chuva, o beijo?
Há um oceano para as peças se afastarem
lentamente e sem motivo.
O que será que nós estávamos pensando naquele dia?
O ponteiro é uma máquina, às vezes para.
Num lago tranquilo, o calendário não faz sentido:
a água como os braços de mãe, apenas envelhecendo, presente.
O relógio marca a hora, nem que seja a hora errada.
A cachoeira mergulha com força,
o peixe foge, esguio e assustado.
Meus olhos seguem o peixe
e, de todos os peixes, este faz curvas,
vira de um lado para o outro.
Vejo as peças no rio correndo depressa,
de curva em curva, suas curvas,
que me deixaram perdido sem saber o caminho de volta.
O peixe não foge dos meus olhos
– e não é um sonho, é um aquário:
minha cabeça vai se remontando devagar,
as peças rearrumadas de uma forma
que eu nem imaginava que poderia existir.
Não é nem um sonho, nem um aquário:
o peixe passeia por um lugar mais apertado.
Lá dentro há uma gota d’água,
uma gota maior que toda a hidrosfera,
que tece, com a precisão de uma agulha,
o tempo.
Diante dos seus olhos grandes de curiosidade e Mar
tem tudo e todas suas pequenas ramificações.
Diante dos seus olhos tem tudo e o peixe
nada.