A segunda chance é a pior chance:
pesa o mundo e escurece a noite,
beira o penhasco da insensatez.
O diabo não cansava de dizer-lhe ao pé do ouvido:
– A mulher não é uma mulher, é uma criança.
A simpatia não é um convite, é respeito.
O homem não é um homem, é uma criança.
O gesto não é um movimento, é uma mensagem.
E falado isso, tudo voltava a acontecer.
A faca que ele nem via, mas que estava cravada ali
por baixo das dobras do casaco.
Ao passar a mão, vermelho, muito vermelho.
E o diabo não cansava de dizer-lhe ao pé do ouvido:
– Você vê apenas o vermelho, mas sabe que é sangue.
Você vê medo, reconhece a morte.
Você vê uma pequena chama longe e sabe que ali há um incêndio.
Na segunda chance, você tem a última chance.
A última chance de cometer os mesmos erros pra sempre
e a última chance de seguir um outro percurso.
O pior não era quando o diabo fincava-lhe a faca
ou falava-lhe ao pé do ouvido.
A pior parte era quando o diabo permanecia em silêncio
porque era exatamente quando ele sabia
que as manchas no horizonte eram as luzes dos carros,
exatamente quando ele lembrava
que o diabo era, acima de tudo, ele mesmo.
Havia a segunda chance
em que ele tinha que ser quem não era
por alguns segundos de bravura
para tornar-se de vez alguém diferente
daquele que sempre foi.