Tempo descalculado

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Escovar os dentes com pressa, não faz espuma na boca. Acordar atrasada em dia de sol, mesmo com frio, irrita. Principalmente se você vai para o trabalho, e não caminhar – calmamente – até a padaria pra tomar um suco, de desjejum, com o pão tostado e manteiga. E a pressa, como Murphy, me persegue: a dúvida de que cor acordei hoje para vestir. Jeans denuncia minha bunda, penso alto. “É disso que a gente gosta”, grita o irmão mais velho, do corredor. Piada velha tem graça de tão velha que é, mas eu não tô com tempo pra rir. Não consegui ir na depilação essa semana, den ovo, e ainda me sinto presa a essa ditadura da mulher limpa, linda, que é a sem pêlos. Nasci com pêlos, porra! Pego aquela calça de alfaiataria, marinho, que achei na estante da liquidação daquela loja ontem, linda e num preço quase justo, quando esperava o João pro cinema. Fita crepe é a melhor amiga nessas horas: bainha improvisada mas perfeita. Correr pra pegar ônibus é a humilhação que a prefeitura faz com a gente. Bastava eles aumentarem o número de transporte dessa linha. E as pessoas estão ali, com cara de leite azedo. Contudo, acabam votando de novo no prefeito bonitinho. Nem o paquera tava no ponto. Claro, ele não se atrasa! Olha pra cima, olha pro relógio, olha pra rua, olha pra cima, olha pra rua, olha pro relógio. Guarda o relógio na bolsa, atrasada está e ponto. Respira fundo. Lembrei da piada que a Ana contou ontem. Começo a rir e alguns me olham diagnosticando insanidade. Tolos, penso eu. Humor é alimento pra alma, ou conforto pro atraso. Como se não bastasse o atraso, a multidão socada naquela lata. A vantagem da baixa estatura é permear as pessoas mal humoradas, que não se permitem um ato sequer de solidariedade ao coletivo, que ficam estáticas compondo uma suposta paisagem bucólica. Meu trunfo é que a viagem é curta. Acordar atrasada é como assoprar a centopéia de baralho, você desordena seus minutos calculados. O elevador do prédio do escritório acabou de subir. Era o diretor geral. Portanto, vai até o último andar. A escada, não dá, a moça interditou para lavar. Cedo, de manhã. Inverno, e vai lavar uma escada interna! Sem luvas de borracha. O que é pior: mandaram-na fazer, ela nunca poderia questionar. Um desperdício de água, além da sacanagem com a moça. Cadê o meu relógio?!A bolsa tá uma bagunça…oba!Um bombom, que o Pedro me deu. Acho estou com sorte hoje! Foi naquele domingo… Eu já tinha até esquecido. Do Pedro, claro.

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4 comments

  1. Dos Sonhos · Março 29, 2010

    Gostei bastante do texto!
    Acho bom, normalmente é tanto saudosismo que é ótimo algo assim, rápido como a vida, mas igualmente vivido.

    E a sra., Nina, gostou do meu título ou prefere o seu?

  2. Nina Sö · Março 30, 2010

    Gostei, achei meio longo. Mas eu confio em você.

    Pensei agora: “desponteirado” Que tal? fica mais engraçadinho. pra quebrar tua seriedade artística. =P

    • Dos Sonhos · Março 31, 2010

      Prefiro minha seriedade artística.
      Tenho TOC, não toque no assunto.
      Haha.

  3. maracuja · Março 31, 2010

    Acordar atrasada é como assoprar a centopéia de baralho, você desordena seus minutos calculados.

    amei isso.. tudo fica em descompasso até entrar no ônibus e sentar.. sensação de inércia e de a culpa não é mais minha.. ;)

    a gente esquece né.. até se lembrar…

    beijão querida estava com saudade…

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